terça-feira, 31 de março de 2015

Quem paga mesmo pela crise em Macaé?

Hoje vamos usar um assunto pra falar de alguns, numa cajadada só.
Ontem saiu uma matéria no Jornal Nacional sobre a crise do petróleo e como a mesma têm afetado Macaé. Um casal de amigos meus apareceu na matéria (e foi assim que eu tomei conhecimento dela, pois não vejo mais Globo), que retratava o número de demissões nas empresas off-shore na cidade, colocando a culpa disso na Operação Lava Jato. Ora, esse assunto aqui será secundário, mas é preciso falar que não é pela Lava Jato que há uma crise. A Globo "se esqueceu" que há uma crise generalizada no setor petrolífero, uma crise internacional, que não afeta apenas o Brasil e não é por culpa da Petrobrás. Se esquecem também de explicarem do porquê Macaé passa por problemas hoje devido à crise. E é aí que começamos de fato.
Vivemos numa cidade que detinha um "apelido" muito carinhoso. Macaé era chamada de "Princesinha do Atlântico" e era um agradável balneário no Norte Fluminense... até chegar o ciclo do petróleo e ela passar a ser chamada "Capital Nacional do Petróleo". A cidade passou por inúmeras transformações. Milhares de pessoas vieram morar aqui, em busca de um eldorado prometido (pela grande mídia, inclusive). Para muitos, Macaé era a terra onde "sobrava emprego" e "os salários eram altíssimos". Pois bem. Quem chegava aqui sem qualificação, buscando seu sonho, geralmente dava com burros n'água, mas acabava ficando por aqui mesmo. Ia se aglomerando em bairros como Malvinas, Nova Holanda, Lagomar e a cidade ia crescendo desordenadamente, sem nenhum planejamento, sem nenhuma estrutura para atender àquelas pessoas e, muitas vezes, sem muita opção de outros empregos ou mesmo qualificação. Assim, foram se criando bolsões de pobreza, a criminalidade foi aumentando... Mas os investimentos em políticas públicas continuaram estagnados. E assim, Macaé se tornou uma das cidades mais violentas do estado do Rio de Janeiro.
Quando chegamos no ponto crítico de uma crise grande (que não foi a primeira nem vai ser a última), vemos um prefeito ir aos jornais, visivelmente preocupado, falando da redução de empregos na cidade. O rombo no orçamento macaense é estrondoso e caminhamos para um buraco... Mas por quê? Macaé têm uma arrecadação altíssima de royalties, participações especiais e ISS, correto? Sempre teve. Todos sabemos que o petróleo é um bem natural não renovável, finito. Será que não houve falta de responsabilidade de governantes, inclusive do atual prefeito que já foi secretário em outras gestões, em criar alternativas à economia do petróleo? Não poderíamos ser menos dependentes dessa indústria se quisessem? Se ao invés de usar todo esse dinheiro para pagar comissionados e criar obras faraônicas sem  viabilidade (Parque da Cidade tá aí...)? Macaé poderia ter investido muito mais em educação, em cultura, em saneamento, habitação, em dinamização da economia para trazer qualidade de vida pra sua população. E aí entramos em um outro assunto...
Hoje foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados parecer favorável à redução da idade penal para 16 anos. Penso nos meninos da Serra Macaense quando leio essa notícia. Crianças, adolescentes, com más condições de vida, sem acesso à qualificação profissional, lazer, cultura, vindos de escolas ruins (não por seus professores, mas pela desvalorização do poder público) e de famílias sem a menor perspectiva de crescimento de vida. Cuja única diversão é zanzar por aí nas motos dos traficantes, que acabam, sim, sendo seu exemplo de "sucesso" (afinal, qual é a esperança dessa criança em ter uma moto, um carro, uma faculdade ou um bom salário um dia?) e consequentemente quem eles acabarão seguindo, achando que isso pode lhes trazer uma realidade diferente. Que esperança de um futuro diferente damos a eles colocando-os na cadeia? Nem todos têm a felicidade de ter pessoas amorosas, que lhes dão carinho, atenção, puxam orelha nas horas certas, que lhes dão escola boa. Que esperança devem ter aquelas crianças criadas em cima de um lixão nas Águas Maravilhosas? Talvez a esperança de que a terra do petróleo vá lhes dar um lugar no xadrez...
Acredito que antes de apontarmos o dedo para o "trombadinha" de 16 anos, dizendo que "bandido bom é bandido morto", temos que pensar quem é o real bandido nessa história e não, num pensamento de ódio e vingança seletiva, exigirmos prisão e morte para adolescentes, sem ao menos dar a chance de ele ter tentado mudar a vida de alguma forma. Quem vai pagar pela crise do petróleo, certamente não é quem mora "do lado rico da ponte", que tem qualificação, que fala outras línguas. Quem paga pela crise, pela falta de alternativas é justamente a mãe solteira, o pobre, o negro, aquele que terminou o fundamental ou muito mal o médio, o que mora nas áreas mais carentes de cidade. São essas pessoas que vão realmente pagar, com desemprego, com falta de moradia, com a fome, com a falta de opção, com o desespero de não saber o que fazer mais da vida. São essas pessoas, que ainda verão seus filhos e filhas morrerem vítimas de autos de resistência, porque se aqui entram com um fuzil pra cima, na favela entram atirando sem perguntar e menino empinando pipa vira traficante mirim, que merece ser preso, que merece ser morto. Será que é disso mesmo que precisamos pra melhorar os lugares que vivemos? Mais cadeia? Mais ódio, mais mortes? Mais sangue negro derramado? Penso que não.
Vale lembrar que Macaé foi no ano passado a cidade com mais denúncias de trabalho análogo a escravo. Não preciso falar mais nada.
Estamos numa crise financeira sim. Mas também numa crise, ainda maior, de empatia.

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